Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena
vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena
essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorena
mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho tinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
São como cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam: barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?
Onde porei meus olhos que não veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que para descansar parte me seja?
Já sei como se engana quem deseja,
Em vão amor, firme contentamento:
De que nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.
Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz esta alma sojigada,
Que dele está pendendo o meu desejo...
E vou de dia em dia, de ano em ano,
Após um não sei quê, após um nada:
Que, quanto mais me chego, menos vejo!
Os presos contam os dias
mil anos por cada dia,
mas os meus, sem alegria,
como os contarei eu,
verdadeiro amor meu,
a quem por meu Deus conheço?
Pois como preso padeço
(e como quem vos não vê)
mal, cuja dor se não crê,
de prisão e de ausência,
pois, sem pecar, penitência
faço detrás de uma grade.
Meus olhos, de escuridade,
já não vêem, ja estão mortais.
Não fugir. Suster o peso da hora Sem palavras minhas e sem os sonhos, Fáceis, e sem as outras falsidades. Numa espécie de morte mais terrível Ser de mim despojado, ser abandonado aos pés como um vestido. Sem pressa atravessar a asfixia. Não vergar. Suster o peso da hora Até soltar sua canção intacta.
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