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sábado, 23 de julho de 2011

23 de Julho de 1920. 6 de Outubro de 1999. Saudades de Amália.

23 de Julho de 1920. 6 de Outubro de 1999. Saudades de Amália.

Talvez por muito amar a liberdade
Invejo a vida livre dos pardais
Mas prende bem teus braços sem piedade
E eu juro da prisão não sair mais. 



Por ti, sofro e vou morrendo,
Não te encontro, nem te entendo,
A mim, digo sem razão:
Coração, quando te cansas
Das nossas mortas esperanças?
Quando paras, coração?
É loucura adorar-te
Estar cedente de ternura
Sem mesmo poder beijar-te
Mais triste será quem não sofre,
Do amor a prisão sem grades.
No meu coração há um cofre,
Com jóias que são saudades.
Eu nasci numa cidade que em verso
Escreveu alguém, que foi berço
Dos caminhantes do mar
Ah, vivi entre pardais e andorinhas
E gaivotas ribeirinhas
Que andam no céu a cantar!

Fui ao campo, e vi os ramos
Decepados e torcidos.
Ó meu amor, se ficamos,
Pobres dos nossos sentidos!
Já não vou ao rio lavar,
Mas continuo a chorar!
Já não sonho o que sonhava!
Já não lavo no rio!
Por que me gela este frio
Mais do que então gelava?


Cheia de penas me deito
E com mais penas me levanto
Já me ficou no meu peito
O jeito de te querer tanto
Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho contigo
Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar
Lá porque tens cinco pedras
Num anel de estimação
Agora falas comigo
Com cinco pedras na mão!
Enquanto nesses brilhantes
Tens soberba e tens vaidade,
Eu tenho as pedras da rua
Pra passear à vontade!
Asas fechadas
Dizem dois sentidos
Ambos iguais
E versos verticais
No teu sorriso só pressinto
Um sofrimento mais...

Quem julga que são rosas as pedras do meu caminho
Não sabe que encontrei sempre nas rosas que me deram
Perfumes que au colher, me deixaram espinhos
Dos olhos me caiu o sangue que fizeram
Foram montanhas, foram mares,
Foram os números, não sei
Por muitas coisas singulares
Não te encontrei, não te encontrei
E te esperava, te chamava
Entre os caminhos me perdi
Foi nuvem negra, maré brava
E era por ti, era por ti!
Ao poeta perguntei
Como é que os versos assim aparecem?
Disse-me só: Eu cá não sei
São coisas que me acontecem
Sei que nos versos que fiz
Vivem motivos dos mais diversos
E também sei que sempre feliz
Não saberia fazer os versos
Ponho as mãos sobre o teu corpo
E, no instante de sonhar,
Se o teu amor me encaminha,
A manhã é uma andorinha
Que se lembrou de ficar.





O amor sem rosto, o amor sem casa,
Pássaro pequeno, de asa tão leve,
De asa tão leve p'ra onde me levas,
O amor sem casa, o amor sem tréguas.
O amor sem tréguas, o amor sem guerras,
Asa sem destino, p'ra onde me levas,
P'ra onde me levas, deixai-me ficar,
Não quero amanhã, não quero amanhã.
Hora de chegar,
Hora de chegar a lugar nenhum,
Não sou de ninguém, deixai-me ficar.
Deixai-me ficar, não sei porque vim,
Deixai-me partir, não sei porque vou,
Não sei porque vou, que vento me leva,
O amor sem rosto, o amor sem tréguas.
Não sei onde vou, que sopro me arrasta,
O amor sem rosto,
O amor sem rosto, o amor sem casa,
Não sei onde vou, que sopro me arrasta,
O amor sem rosto,
O amor sem rosto, o amor sem casa.
Por ti falo e ninguém pensa
mas eu digo minha amêndoa, meu amigo, meu irmão
meu tropel de ternura, minha casa
meu jardim de carência, minha asa.
Por ti vivo e ninguém pensa
mas eu sigo um caminho de silvas e de nardos
uma intensa ternura que persigo
rodeada de cardos por tantos lados.
Por ti morro e ninguém sabe
mas eu espero o teu corpo que sabe a madrugada
o teu corpo que sabe a desespero
ó minha amarga amêndoa desejada.
Quando Lisboa anoitece
como um veleiro sem velas
Alfama toda parece
Uma casa sem janelas
Aonde o povo arrefece
É numa água-furtada
No espaço roubado à mágoa
Que Alfama fica fechada
Em quatro paredes de água
Quatro paredes de pranto
Quatro muros de ansiedade
Que à noite fazem o canto
Que se acende na cidade
Fechada em seu desencanto
Alfama cheira a saudade
Alfama não cheira a fado
Cheira a povo, a solidão,
Cheira a silêncio magoado
Sabe a tristeza com pão
Alfama não cheira a fado
Mas não tem outra canção
Se eu dantes tinha fome
Meu amor anda faminto
Com os beijos que te dei
Eu sinto, já não sei
Eu já não sei o que sinto
Ai de mim, que vou vivendo
Ai, meu grande desespero
Ai, tudo que não entendo
Ai, o que entendo e não quero
Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. meu navio,
este navio onde embarquei
para encontrar dentro de ti, o país de Abril.
Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar.
E nesta sinceridade
De amor e sensualidade
Ponho a alma ao coração
Numa angústia, uma ansiedade
Minha canção é saudade
Do amor sonhado em vão
Tenho a janela do peito
Aberta para o passado
Todo feito de fadistas e de fado!
Espreita a alma na janela,
Vai o passo, ela a passar,
Ao ver se nela a alma fica a chorar!
Eu vi-te pelo São João
Começou o namorico
E dei-te o meu coração
Em troca de um manjerico